Conclusão do projeto de Oscar Niemeyer passou por atualizações e fortalece o compromisso com a integração latino-americana.

A assinatura do acordo de cooperação entre o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS) e a Itaipu Binacional, em dezembro de 2023, marcou oficialmente a retomada do projeto de conclusão das obras do Campus Arandu da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), paralisadas há mais de uma década.
Desde então, uma equipe técnica – composta por profissionais do UNOPS, da ITAIPU, da UNILA e dos escritórios originais que lideraram o projeto com Oscar Niemeyer em 2008 – passou a trabalhar intensamente para garantir que as obras sejam seguram e atendam à legislação atual e às novas normas técnicas de engenharia e construção civil. Ao longo do primeiro ano de projeto, também foram realizados estudos para atestar a qualidade das edificações existentes, uma etapa fundamental antes do reinício efetivo da construção.
Para entender melhor a complexidade da retomada do Campus Arandu, entrevistamos a engenheira civil Edna Possan, professora da UNILA desde 2012, que contou mais sobre os desafios e a complexidade de executar uma obra com a dimensão e a sofisticação arquitetônica do Campus Arandu, idealizado por Oscar Niemeyer. Confira a entrevista:
O Campus Arandu ficou paralisado por mais de uma década. Quais são os desafios para viabilizar a retomada dessa obra?
Toda obra paralisada não é simples de ser retomada, porque ela fica à mercê do tempo e exposta à degradação. E, quanto mais complexa for essa estrutura, maiores podem ser os desafios. Pense em uma obra do Oscar Niemeyer, um dos maiores arquitetos do mundo, muito à frente do seu tempo, que produz estruturas ousadas, que exigem uma robustez de engenharia. Retomar uma obra com esse grau de complexidade e importância envolve não só grandes desafios de engenharia, mas também de arquitetura, de economia e de outras áreas que se associam. A obra em si, sem estar paralisada, já tem desafios maiores do que um edifício comum, porque existem balanços, com grandes espaços entre pilares, grandes vãos livres e estruturas subterrâneas, muito características de Niemeyer. A vantagem, neste caso, é que a obra da UNILA foi muito bem cuidada e controlada ao longo dos anos, o que ajuda a diminuir as incertezas do que foi feito no passado.
Por que a senhora diz que foi uma obra bem cuidada? Pode nos dar um exemplo?
Eu acompanhei a concretagem das primeiras sapatas (fundação da obra), que têm mais de 600 metros cúbicos de concreto e que vão suportar todo o peso da estrutura. O dia da concretagem foi um evento, porque não é comum ver uma concretagem desse tamanho. Digo isso porque, na época, vi que foram feitos os cuidados necessários para que ela tivesse durabilidade. Conhecendo esse histórico, e realizando os diagnósticos da estrutura, a gente consegue compreender melhor a complexidade da edificação.
O Campus Arandu é um projeto original de Oscar Niemeyer, o que envolve certa complexidade arquitetônica. O que isso representa?
O projeto do Oscar Niemeyer não é apenas a obra, mas todo o conjunto de edifícios que compõem o Campus Arandu da UNILA, com características específicas. Quem já teve a oportunidade de visitar alguma obra de Niemeyer vai entender isso. Brasília, por exemplo, tem um conjunto de edifícios que possuem características arquitetônicas que não podem ser alteradas, como parte da propriedade intelectual e da assinatura do profissional. O Campus Arandu também passa por isso, por isso há um cuidado de que ele se mantenha dentro do que está previsto na propriedade intelectual e no acordo.
E isso traz desafios adicionais para a comunidade? Qual sua opinião a respeito?
Desde que eu cheguei na UNILA, há muita discussão se a universidade precisava desse projeto. Existem críticas, mas acho que Foz do Iguaçu, como uma cidade turística e que recebe quase 2 milhões de visitantes por ano, boa parte estrangeiros, pode e merece ter uma obra de arquitetura que passe a fazer parte da nossa paisagem, tornando-se mais um atrativo turístico. Todos os projetos produzidos por Oscar Niemeyer têm um propósito, uma concepção para existir, e isso faz parte do belo e da arquitetura. A UNILA merece isso, já que somos uma universidade com 29 povos convivendo em prol da integração latino-americana.
Considerando a passagem do tempo entre o projeto original e a revisão dos projetos (2008 a 2024), como você avalia o impacto das mudanças nas normas de segurança, acessibilidade e sustentabilidade?
Na engenharia, temos a recomendação ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas], atualizada a cada cinco anos. Quando se faz a retomada de uma obra, precisa haver uma adequação dessas normas, a exemplo da norma de incêndio, bem importante pelo vínculo com a segurança. Houve também atualizações das normas de acessibilidade e de segurança do trabalho, que passaram a levar em conta questões psicossociais. Também mudou o nosso jeito de trabalhar, por isso precisamos nos adaptar aos novos processos do mundo.
Desde o início da retomada das obras do Campus, está em execução um plano de Gênero, Diversidade e Inclusão (GDI). Do ponto de vista da engenharia, por que incorporar esses critérios sociais e educacionais é estratégico?
Eu trabalho com o ODS 5 [relacionado à promoção da igualdade de gênero]. Antes de ser mãe, em 2016, eu recebi um convite para palestrar no maior congresso de estudantes de engenharia do sul do Brasil, e pediram pra eu falar sobre a minha história como mulher na engenharia. Foi quando eu comecei a estudar e me aprofundar nesse tema. Assim, eu descobri um universo que eu não conhecia, e, na bolha que eu estava à época, não se falava sobre gênero. Foi quando eu descobri como o mundo é desigual, não só na engenharia. No Paraná, temos a primeira mulher negra a se tornar engenheira no Brasil, Enedina Alves Marques, que teve uma história marcada por vencer lutas e desbravar um campo majoritariamente masculino. Quando falam de trazer esse princípio de Gênero, Diversidade e Inclusão para o Campus Arandu, e em especial para a concepção do projeto, é superimportante, porque ele já nasce com essa identidade diversa, com planejamento para ações, para buscar as expertises, os e as profissionais corretas para trabalhar em áreas diversas.
E como isso reverbera na UNILA?
Qualquer universidade tem que ser universal, e a UNILA, além de trazer esse universalismo, possui alunos de toda a América Latina e Caribe, com culturas muito diferentes, o que ajuda a construir a sua identidade. É um lugar único de se conhecer, de conviver e conhecer o outro. Quando falamos de Diversidade e Inclusão, falamos em respeito, e essa é a palavra que permeia tudo isso. Essas diferenças entre nós, de gênero, formação e intelecto, são muito valiosas para ter visões diferentes para o mesmo objeto e somar, construindo coisas melhores. A UNILA traz em si toda essa essência, e traz isso também para a cidade de Foz do Iguaçu.
Quem quiser conhecer mais sobre o trabalho da professora Edna Possan pode acessar as suas redes sociais: @EdnaPossan no instagram, e no LinkedIn.