Nome do novo campus foi escolhido após um processo participativo
Em meio ao processo de retomada das obras do novo campus da UNILA, projetado por Oscar Niemeyer, um marco simbólico ganhou destaque: a escolha do nome Arandu. Mais do que uma palavra, Arandu carrega em si a força de uma tradição ancestral. Em Guarani, significa sabedoria, e representa o elo profundo entre os povos originários e o projeto integrador da Universidade.
Em sintonia com o Abril Indígena, mês dedicado à valorização das culturas, línguas e lutas dos povos originários, conversamos com o professor de Letras e Mediação Cultural da UNILA, Mário Ramão Villalva Filho, conhecido também como Karai Ju.
Membro da comunidade Avaguaraní, em Diamante do Oeste, e docente da disciplina de Guarani, única disciplina do Brasil obrigatória para estudantes não indígenas, ele nos conduz por uma reflexão sobre o significado do nome Arandu e a potência simbólica de um campus que nasce com raízes fincadas na memória, na língua e na sabedoria dos povos da região. Confira a entrevista:
Como surgiu a proposta de escolher o nome Arandu para o novo campus? O que esse nome representa e qual o seu significado?
Arandu, na tradução literal, significa sabedoria ou sábio, mas a língua Guarani é uma língua que aglutina várias palavras ao mesmo tempo para construir um sentido, então Arandu também é composta por duas palavras: “Ara”, que significa tempo, e “Andu”, que significa sentir ou ouvir. Uma explicação importante é que na língua Guarani a palavra ouvir não pode ser separada do sentir. Se você está ouvindo a pessoa, isso gera um sentimento ao mesmo tempo. A gente fala muito no português: ‘’Entra por aqui e sai por ali’’, mas no mundo Guarani você tem que sentir para ter sentido, então chegamos na conclusão de que para você alcançar a sabedoria, você tem que ouvir e sentir ao mesmo tempo.
Para um campus esse é um termo muito pertinente, certo? Uma vez que é um lugar de ensino e pesquisa.
Exatamente. Hoje, a política da UNILA é de respeitar e ouvir as sabedorias de outros povos originários, porque as pessoas que falam outra língua, que são de outra cultura, também têm coisas a ensinar para a gente. Por exemplo, temos muitos haitianos aqui na UNILA, e nós temos que aprender com eles. Também tenho alunos Tikunas, então sempre peço para que eles me ensinem sobre a sua cultura e compartilhem o seu conhecimento. Paulo Freire sempre falava sobre a importância de aprender na coletividade e sempre respeitar e considerar o conhecimento do outro, e acho que isso é o que Arandu representa: sentir e ouvir o conhecimento e a sabedoria de todas as pessoas.
O quão significativo é ter um nome indígena para o novo Campus da UNILA?
O Guarani é a língua que une os povos da nossa região. Então eu acho que o nome Arandu vem para contribuir principalmente com a internacionalização da UNILA, que é uma universidade brasileira e que fala em português, mas que ao mesmo tempo busca regionalização, e que tem uma relevância para os outros países. Também é uma forma de valorizar o povo daqui. Valorizar o povo Guarani e os povos originários.
E quais impactos positivos a escolha de um nome indígena pode ter não apenas no contexto da universidade, mas também para a cidade de Foz do Iguaçu?
Com a escolha do nome, espero que surja uma nova consciência sobre as nossas origens. Isso é importante, porque faz parte da nossa história, e acredito que a cidade de Foz do Iguaçu vai se beneficiar nesse sentido. Já temos aqui uma universidade pública e gratuita que recebe pessoas de vários países, atrativos turísticos, e agora teremos um turismo acadêmico. São mais pessoas visitando, e por consequência investimento na cidade.
Este é um campus projetado por Oscar Niemeyer, pai do modernismo na arquitetura, e que leva um nome que remete à ancestralidade, como você enxerga essa relação?
Eu acho que a modernidade pode se conectar com a ancestralidade. A gente fala muito no mundo Guarani da espiritualidade, pois é um povo que está muito conectado com Deus, o qual chamam de Ñanderu, e que vive no meio ambiente. É por isso que o Guarani valoriza muito as plantas e os animais, porque ele acredita que é apenas mais um entre os seres presentes no meio ambiente. Assim, este novo campus, o qual todos reconhecemos que tem uma grande importância, também traz essa ligação com a ancestralidade, uma vez que nós, que acreditamos no espírito da terra, conseguimos identificar essa conexão com todos os seres e povos que já passaram por ali.
Principalmente a conexão com a natureza, certo?
Exatamente. Aquele terreno inicialmente foi desmatado para a construção do novo campus, mas a partir do momento em que traz esse nome Arandu, a gente evoca e mantém vivo o respeito e a conexão com todos os seres vivos que ali estavam e habitaram, e que de alguma forma se conectam. Eu espero que no futuro o novo campus seja um templo à sabedoria, e principalmente da sabedoria ancestral, da ciência e do conhecimento ocidental, não porque um é mais importante do que o outro, mas porque os dois possuem um papel importante.
Pegando carona no sentido da palavra Arandu, sobre “ouvir e sentir”, o que você gostaria de dizer para os alunos sintam em relação a estudar no Campus Arandu?
Todo professor tem um plano de ensino com objetivos, uma ementa, atividades, etc. E esse plano sempre começa com um verbo: debater, discutir, aprender, entre outras opções. E nesse caso, o meu verbo é sensibilizar. Isso para dizer que eu espero que os alunos primeiro se sensibilizem primeiro em relação às sabedorias ancestrais, que entendam que há valor em todo o tipo de conhecimento. Nesse sentido, espero que ele seja verdadeiramente um templo onde se encontra a sabedoria originária com a sabedoria ocidental. Que juntos possamos construir um conhecimento que leve à sustentabilidade e nos faça enxergar um novo jeito de se relacionar com a natureza.
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Quer saber mais sobre o trabalho do professor Mário? Leia a sua tese de doutorado e acesse o site do Educom Guarani.