Arandu: um nome ancestral que conecta povos e saberes

Mário Ramão, professor da UNILA, leciona a única disciplina obrigatória de Guarani para alunos não indígenas no Brasil. Foto: Fernanda Yumi/UNOPS

Em meio ao processo de retomada das obras do novo campus da UNILA, projetado por Oscar Niemeyer, um marco simbólico ganhou destaque: a escolha do nome Arandu. Mais do que uma palavra, Arandu carrega em si a força de uma tradição ancestral. Em Guarani, significa sabedoria, e representa o elo profundo entre os povos originários e o projeto integrador da Universidade. 

Em sintonia com o Abril Indígena, mês dedicado à valorização das culturas, línguas e lutas dos povos originários, conversamos com o professor de Letras e Mediação Cultural da UNILA, Mário Ramão Villalva Filho, conhecido também como Karai Ju.

Membro da comunidade Avaguaraní, em Diamante do Oeste, e docente da disciplina de Guarani, única disciplina do Brasil obrigatória para estudantes não indígenas, ele nos conduz por uma reflexão sobre o significado do nome Arandu e a potência simbólica de um campus que nasce com raízes fincadas na memória, na língua e na sabedoria dos povos da região. Confira a entrevista:

Como surgiu a proposta de escolher o nome Arandu para o novo campus? O que esse nome representa e qual o seu significado? 

Arandu, na tradução literal, significa sabedoria ou sábio, mas a língua Guarani é uma língua que aglutina várias palavras ao mesmo tempo para construir um sentido, então Arandu também é composta por duas palavras: “Ara”, que significa tempo, e “Andu”, que significa sentir ou ouvir. Uma explicação importante é que na língua Guarani a palavra ouvir não pode ser separada do sentir. Se você está ouvindo a pessoa, isso gera um sentimento ao mesmo tempo. A gente fala muito no português: ‘’Entra por aqui e sai por ali’’, mas no mundo Guarani você tem que sentir para ter sentido, então chegamos na conclusão de que para você alcançar a sabedoria, você tem que ouvir e sentir ao mesmo tempo. 

Para um campus esse é um termo muito pertinente, certo? Uma vez que é um lugar de ensino e pesquisa.

Exatamente. Hoje, a política da UNILA é de respeitar e ouvir as sabedorias de outros povos originários, porque as pessoas que falam outra língua, que são de outra cultura, também têm coisas a ensinar para a gente. Por exemplo, temos muitos haitianos aqui na UNILA, e nós temos que aprender com eles. Também tenho alunos Tikunas, então sempre peço para que eles me ensinem sobre a sua cultura e compartilhem o seu conhecimento. Paulo Freire sempre falava sobre a importância de aprender na coletividade e sempre respeitar e considerar o conhecimento do outro, e acho que isso é o que Arandu representa: sentir e ouvir o conhecimento e a sabedoria de todas as pessoas. 

Entrevista para a equipe do projeto no Campus Jardim Universitário da UNILA. Foto: Fernanda Yumi/UNOPS

O quão significativo é ter um nome indígena para o novo Campus da UNILA? 

O Guarani é a língua que une os povos da nossa região. Então eu acho que o nome Arandu vem para contribuir principalmente com a internacionalização da UNILA, que é uma universidade brasileira e que fala em português, mas que ao mesmo tempo busca regionalização, e que tem uma relevância para os outros países. Também é uma forma de valorizar o povo daqui. Valorizar o povo Guarani e os povos originários.

E quais impactos positivos a escolha de um nome indígena pode ter não apenas no contexto da universidade, mas também para a cidade de Foz do Iguaçu? 

Com a escolha do nome, espero que surja uma nova consciência sobre as nossas origens. Isso é importante, porque faz parte da nossa história, e acredito que a cidade de Foz do Iguaçu vai se beneficiar nesse sentido. Já temos aqui uma universidade pública e gratuita que recebe pessoas de vários países, atrativos turísticos, e agora teremos um turismo acadêmico. São mais pessoas visitando, e por consequência investimento na cidade.

Este é um campus projetado por Oscar Niemeyer, pai do modernismo na arquitetura, e que leva um nome que remete à ancestralidade, como você enxerga essa relação? 

Eu acho que a modernidade pode se conectar com a ancestralidade. A gente fala muito no mundo Guarani da espiritualidade, pois é um povo que está muito conectado com Deus, o qual chamam de Ñanderu, e que vive no meio ambiente. É por isso que o Guarani valoriza muito as plantas e os animais, porque ele acredita que é apenas mais um entre os seres presentes no meio ambiente. Assim, este novo campus, o qual todos reconhecemos que tem uma grande importância, também traz essa ligação com a ancestralidade, uma vez que nós, que acreditamos no espírito da terra, conseguimos identificar essa conexão com todos os seres e povos que já passaram por ali. 

Principalmente a conexão com a natureza, certo? 

Exatamente. Aquele terreno inicialmente foi desmatado para a construção do novo campus, mas a partir do momento em que traz esse nome Arandu, a gente evoca e mantém vivo o respeito e a conexão com todos os seres vivos que ali estavam e habitaram, e que de alguma forma se conectam. Eu espero que no futuro o novo campus seja um templo à sabedoria, e principalmente da sabedoria ancestral, da ciência e do conhecimento ocidental, não porque um é mais importante do que o outro, mas porque os dois possuem um papel importante. 

Pegando carona no sentido da palavra Arandu, sobre “ouvir e sentir”, o que você gostaria de dizer para os alunos sintam em relação a estudar no Campus Arandu? 

Todo professor tem um plano de ensino com objetivos, uma ementa, atividades, etc. E esse plano sempre começa com um verbo: debater, discutir, aprender, entre outras opções. E nesse caso, o meu verbo é sensibilizar. Isso para dizer que eu espero que os alunos primeiro se sensibilizem primeiro em relação às sabedorias ancestrais, que entendam que há valor em todo o tipo de conhecimento. Nesse sentido, espero que ele seja verdadeiramente um templo onde se encontra a sabedoria originária com a sabedoria ocidental. Que juntos possamos construir um conhecimento que leve à sustentabilidade e nos faça enxergar um novo jeito de se relacionar com a natureza.

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Quer saber mais sobre o trabalho do professor Mário? Leia a sua tese de doutorado e acesse o site do Educom Guarani

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