Em entrevista, Jair Valera, arquiteto que trabalhou com Oscar Niemeyer na concepção do projeto, explica como a arquitetura do novo campus favorece a integração entre estudantes.
A arquitetura uniu Jair Valera e Oscar Niemeyer em 1970, quando os dois começaram a trabalhar juntos. A parceria deu tão certo que se consolidou ao longo dos anos e durou até os últimos dias de vida de Niemeyer. Os dois assinaram diversos projetos em conjunto, incluindo a Universidade de Constantine na Argélia.
Um dos últimos projetos que assinaram foi o do Campus Arandu, projeto entregue para a Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA) em 2008, e localizado em Foz do Iguaçu, no Paraná. Em entrevistas da época, Niemeyer se referiu ao projeto como um “presente para a América Latina”, uma vez que traduz em sua arquitetura e no concreto o que a UNILA traz enquanto princípio: a integração entre povos e culturas.
Depois de anos parado, o projeto de conclusão do Campus Arandu foi retomado em 2023, após um acordo de cooperação internacional entre o UNOPS, UNILA e ITAIPU Binacional. Antes do início efetivo das obras, foi necessário um extenso trabalho de atualização do projeto, liderado por Jair Valera e com a equipe de projetistas originais, que carrega a missão de preservar o legado e o selo Niemeyer.
Em entrevista, o arquiteto e projetista conta mais sobre como foi seu encontro com Niemeyer, a importância da UNILA para a educação em toda a região e detalhes sobre a concepção do projeto. Confira.
Quando você começou a trabalhar com o Oscar Niemeyer?
Jair Valera: Em 1973, trabalhava como desenhista para uma empresa de engenharia que fazia cálculo estrutural para algumas obras de Brasília, e fiz a forma do campanário da catedral de Brasília. Tive que levar o desenho para o próprio Oscar (Niemeyer) aprovar. Eu estava completamente constrangido, mas, dois minutos depois, já estava encantado por ele. Em 1976, ele me convidou para ir à Argélia, e fiquei lá um ano e meio trabalhando na Universidade de Constantina e também no centro cívico. Depois voltei e também trabalhei com ele na Universidade de Campos. Nos anos 80, montei uma firma de desenvolvimento de projetos e a partir daí comecei a trabalhar diariamente com ele.
E como era trabalhar com ele?
O Oscar tinha uma capacidade de fazer o projeto na cabeça. Ele tinha uma visão espacial que eu nunca entendi, como era possível enxergar a obra pronta antes de fazer. Isso aconteceu quando a gente fez o Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói. Quando chegamos no lugar, tinha um terreno avançado uns 30 metros acima do mar. O Oscar parou, olhou, e disse: “Aqui fica bom”. O prefeito questionou o espaço ser pequeno para um salão de exposições, mas ele disse “para o que eu estou pensando, dá”. Fomos almoçar e no restaurante ele pegou o guardanapo, desenhou o projeto, e esse desenho é exatamente como está lá. E foi assim durante muitos anos, até o final da vida dele.
Você acompanhou o processo de criação do projeto arquitetônico do novo campus da UNILA?
Jair Valera: Acompanhei desde o início, e uma curiosidade é que as universidades projetadas pelo Oscar possuem o mesmo espírito, que é a integração entre os alunos. Isso é algo que o Darcy Ribeiro sempre pedia, pois ele participava na concepção dos projetos de educação. Você fica livre para conversar com qualquer pessoa, não só as da sua profissão. É por isso que o Oscar fazia as salas de aula em um prédio só, pois isso gera uma integração total.
No caso da UNILA, tem uma coisa além, porque ela também propõe uma integração entre os povos e culturas. Cabe dizer que esse projeto é diferente dos outros e que nenhuma universidade assinada pelo Oscar é igual à outra.
As obras de Niemeyer geralmente carregam características muito específicas. O que faz com que alguém coloque o olho em uma obra e já identifique que é um Niemeyer?
Jair Valera: Os prédios projetados pelo Oscar tinham formas que você nunca tinha visto, eram novas. Era muito característica a composição dessas formas, a maneira como ele pensava no vazio, não só na construção, mas o vazio entre essas composições. E era sempre um espaço muito generoso. Isso tudo levava você a ter a sensação de que é uma obra bonita, diferente e leve, sempre muito leve. É de concreto, o que inicialmente induz a percepção de ser algo grande e pesado, mas é leve.
A obra ficou parada por muito tempo. Qual o sentimento de ver uma obra do Niemeyer sendo retomada e com previsão de conclusão para os próximos anos?
Valera: Eu fiquei muito feliz em saber que a obra vai ser concluída. Para mim, é uma honra ter sido chamado pelo UNOPS para trabalhar na atualização dos projetos arquitetônicos. E, quem sabe um dia, a gente possa finalizar todo o projeto, contemplando a fase 2* com o teatro, central de laboratórios e biblioteca.
Os projetos originais precisaram ser revistos por mudanças na legislação e demandas da universidade?
Jair Valera: Sim, e o mais importante foi colocar ele dentro das normas atuais. Mudaram as instalações de ar condicionado, os sanitários, a inclinação de rampa, então foram mudanças significativas. E tem o fato de serem mudanças que precisam ser feitas a partir da obra que já foi iniciada. Isso é o que dá mais trabalho, mas estamos indo bem. Além disso, fizemos ajustes na estrutura a pedido da universidade e ela tem razão em nos pedir esses ajustes, pois a educação também evoluiu, né? Então estamos fazendo o que nos foi pedido.
Na sua opinião, quais impactos esta obra trará para a cidade de Foz do Iguaçu?
Jair Valera: Uma obra de Niemeyer, em qualquer cidade, traz um impacto importante. Todas as obras que fizemos, inclusive no exterior, tiveram um impacto significativo. Então, eu tenho certeza que Foz de Iguaçu vai passar por isso também, principalmente porque aqui já tem as Cataratas, a Usina, entre outros pontos turísticos. E, com a finalização da obra, vai haver mais um ponto para turismo arquitetônico, que é muito forte. Eu acredito que a população vai abraçar isso.
*Atualmente, a retomada das obras do Campus Arandu contempla apenas a fase 1 do projeto, que consiste no restaurante universitário, central de salas de aula e prédio administrativo.